PETRÓLEO DO PRÉ-SAL: CONCESSÃO OU PARTILHA?
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SANDRO RAFAEL BONATTO

Especialista em Direito e Negócios Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina
Especialista em Direito Societário pelo Instituto dos Advogados do Paraná
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná
Inscrito na OAB sob nº 22.788-PR
Inscrições suplementares: 19.334-SC, 82.588-A-RS, 17.236-A-MS, 37.697-GO, 40.746-DF, 39.721-BA e 17.428-A-MT
Sócio de Pereira Gionédis Advogados
Associado ao Instituto dos Advogados do Paraná - IAP

Publicações:
- Autor dos capítulos Compliance no Brasil  e Compliance nas empresas: instituição do programa de integridade na obra  Compliance e a nova realidade empresarial, sob a coordenação de Louise Rainer Pereira Gionédis e Maria Amélia Cassiana Mastrorosa Vianna ( Editora Instituto Memória - 2018 )
- Autor do capítulo O Combate à Corrupção e o Exercício da Advocacia coordenação na obra Reflexões sobre o Pacto Global e os ODS da ONU OAB Paraná (Editora Íthala - 2018)
- Autor do capítulo O Compliance para o Terceiro Setor, na obra Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Compliance, sob a coordenação de Louise Rainer Pereira Gionédis e Maria Amélia Cassiana Mastrorosa Vianna (Editora Juruá - 2021)
Atualmente discute-se o regime a ser adotado pelo Brasil para a exploração do petróleo do pré-sal, se o de partilha ou o de concessão. Mas qual é o mais vantajoso para o país? Qual deles assegura maior soberania ao Estado? Qual das modalidades assegura maior vantagem estratégica de planejamento? A resposta a estas questões passa pela análise da história da exploração petrolífera brasileira, pela definição do que é o petróleo do pré-sal e pela análise dos regimes de extração adotados por outros países produtores de petróleo.

Apesar de suas imensas reservas, o Brasil tardou a explorar as jazidas petrolíferas de seu território. Ao contrário de outros países, cuja exploração e produção começaram nas últimas décadas do século 19, apenas a partir da década de 30 do século 20 é que o Brasil passa a explorar reservas de óleo, mediante concessão de exploração a empresas estrangeiras, modelo que vigorou até 1953, com a criação da Petrobras. A partir daí, a exploração e a produção de petróleo passaram a ser monopólio da estatal, além de seu refino e distribuição. Apenas em 1995, com a Emenda Constitucional 09/95, é que o monopólio de exploração e produção foi quebrado, permitindo-se que petrolíferas internacionais passassem a explorar campos petrolíferos, sob o regime de concessão. Na verdade, o petróleo brasileiro continua sendo monopólio estatal: a emenda constitucional apenas permitiu que outras empresas, além da Petrobras, explorassem e produzissem petróleo no país, mediante outorga da União.

Com a atualização de tecnologias de prospecção e exploração em grandes profundidades, e com a descoberta de indícios de existência de petróleo na camada do pré-sal brasileira, passou-se a discutir a viabilidade de sua exploração comercial. Tecnicamente, pré-sal significa o subsolo existente abaixo da camada de sal dos oceanos, acerca de 6 ou 7 quilômetros de profundidade. Para fins de exploração petrolífera, o pré-sal brasileiro é uma faixa que se estende na plataforma continental, do Espírito Santo a Santa Catarina, com estimados 122 mil km², com uma lâmina de água de até 2 km e com petróleo a partir de 6 km de profundidade. Dada sua profundidade, tanto a exploração quanto a produção de petróleo são de alto custo e risco, o que impacta diretamente no modelo a ser adotado para a extração do óleo.

As modalidades de exploração e produção existentes são a concessão, a partilha, a prestação de serviços e o acordo de participação, das quais as duas primeiras são as mais difundidas. Na concessão, a empresa ou consórcio participa de uma concorrência para exploração de determinado campo petrolífero, mediante o pagamento de compensação financeira ao Estado, na forma de tributos e royalties, por exemplo. Os riscos de exploração (constatação da existência, quantidade e qualidade do óleo) e de produção (extração, refino e comercialização) cabem exclusivamente à petrolífera, que passa a ser a proprietária do óleo extraído. Todo o risco do negócio fica ao encargo da empresa, ou seja, caso não seja prospectado petróleo ou sua extração não seja economicamente viável, é ela quem arca com o prejuízo. Considerando que a exploração e produção do petróleo pode ter impactos diretos na economia, indústria e no desenvolvimento do país, o regime de concessão exige uma regulação legal do mercado, de modo a evitar distorções e assegurar o fornecimento interno de combustíveis e gás.

No regime de partilha, o Estado permanece dono do óleo, que será explorado e produzido pela iniciativa privada, cabendo à empresa repassar a parte que cabe ao Estado em espécie ou em pecúnia, conforme definido em contrato. Mas o risco da atividade e os eventuais percalços na extração são compartilhados em maior ou menor grau com o Estado. Como neste modelo o Estado participa diretamente da exploração e produção, a regulação do mercado não precisa ser tão abrangente quanto a necessária no regime de concessão, podendo o poder público influir diretamente na produção, distribuição e comercialização do óleo e gás extraídos. Por essa razão, é um modelo indicado para países que não tenham boa regulamentação neste setor, o que não é o caso brasileiro.

No mundo, mais da metade da produção de petróleo é realizada mediante concessão, sendo este modelo o preferido dos países integrantes da OCDE, como Estados Unidos, Canadá e Noruega, reconhecidamente países desenvolvidos, democráticos e de economia pujante, enquanto a partilha é praticada em larga escala por países como Angola, Nigéria, Irã, Indonésia, Egito, Líbia e Rússia, não necessariamente reconhecidos pela estabilidade de suas instituições ou pelo seu respeito à democracia.

Apenas levado em conta o perfil dos países que adotam um ou outro modelo de exploração e produção, já se tem qual é a modalidade mais benéfica para a sociedade, que definitivamente é a de concessão. Neste regime, tem-se todo o risco da atividade transferido para a iniciativa privada, que retribuirá ao Estado com o pagamento das compensações ajustadas no contrato de concessão. E estas compensações não são pequenas, ao contrário do que pode crer o senso comum: na década passada, os EUA auferiram 67% da receita líquida do setor petrolífero, enquanto que no Canadá, que adota modelo similar e é detentor da terceira maior reserva petrolífera do mundo, atrás apenas da Venezuela e da Arábia Saudita, esse porcentual é de 61%.

Já os defensores da modalidade de partilha alegam que ela permite ao país manter maior controle sobre o mercado, de um modo geral, conduzindo a produção, estocagem e venda do petróleo e, portanto, faz parte de uma estratégia geopolítica de proteção contra crises no mercado mundial. Contudo, no século 21 este discurso geopolítico sessentista encontra-se ultrapassado, diante dos exemplos que grassam, como a crise pela qual passa a Venezuela, detentora das maiores jazidas petrolíferas mundiais, ou a endêmica corrupção a que o mercado petrolífero está sujeito nos países africanos. Mesmo o propalado destino social a ser dado a parte dos recursos obtidos pela produção de petróleo sob o regime de partilha, tal qual prevê a Lei 12.351/2010, não é justificativa para adoção desta modalidade, uma vez que a mesma destinação social é possível no modelo de concessão.

Em verdade, a existência de jazidas petrolíferas ? sejam elas de fácil extração ou aquelas localizadas no pré-sal ? não é por si só uma riqueza. Esta só se faz presente depois que o óleo é prospectado, extraído, refinado e comercializado, gerando empregos, desenvolvendo tecnologias e toda uma gama de produção e serviços relacionados com o mercado petrolífero. E, nesse cenário, a modalidade de concessão tem se demonstrado a melhor opção para a extração do petróleo.

Sandro Rafael Bonatto é advogado especialista em Direito Societário, Direito e Negócios Internacionais.